Gina Vieira: “Saí do palco para construir uma sala de aula horizontal”
Autora do Projeto Mulheres Inspiradoras fala sobre a importância de metodologias ativas para criar uma sala de aula viva
As metodologias ativas como as conhecemos hoje são fruto de um processo de questionamento e desenvolvimento de educadores ao longo dos anos. Além disso, são atualmente uma grande ferramenta para trazer os estudantes para o diálogo em um contexto de desinformação digital.
Um dos maiores expoentes em metodologias ativas no Brasil, Gina Vieira Ponte começou a se tornar professora aos oito anos de idade. O vínculo estabelecido com uma educadora negra foi seu primeiro incentivo para começar a trabalhar suas habilidades.
O que começou como uma brincadeira com seus irmãos em casa se tornou realidade. Porém, no início dos anos 2000, ao lecionar para adolescentes, teve uma grande frustração: era quase cada vez mais difícil trazer os alunos para perto na construção de conhecimento. Esse foi o motivo pelo qual ela desenvolveu um quadro de depressão, mas também o que a levou a estudar cada vez mais em busca de uma solução nesse sentido.
Hoje, Gina é mestra em Linguística e especialista em Desenvolvimento Humano. Natural de Ceilândia, região periférica do Distrito Federal, ela se projetou para o Brasil principalmente por conta do Projeto Mulheres Inspiradoras, que valoriza o papel da mulher e as protege da exposição na internet. A proposta se tornou uma política pública e resultou no Prêmio Ibero-americano de Educação em Direitos Humanos.
Na semana do Dia Internacional da Mulher, convidamos a professora Gina Vieira para trazer o conceito teórico e a aplicação prática de metodologias ativas e como elas podem contribuir para o desenvolvimento do aluno e bem-estar docente. Saiba mais a seguir!
Qual é a sua concepção de metodologias ativas e como você chegou até ela?
Quem me levou para as metodologias ativas foi a reflexão de Paulo Freire, que me ajudou a perceber que eu estava imersa numa “educação bancária”, na qual seguimos a lógica de repetir, reproduzir, copiar, obedecer e sujeitar. Eu queria um trabalho pedagógico que provocasse os estudantes a pensar, criar, contestar, elaborar e construir. A única forma de fazer isso seria ressignificando a minha prática.
Me incomoda que, hoje, as metodologias ativas sejam apresentadas como uma grande novidade. Do ponto de vista teórico, esse é apenas um termo novo para algo que já existia. A obra “Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire, tem mais de 50 anos e contesta a educação bancária. Noticiar essas metodologias como uma novidade é desprezar o acúmulo de reflexões teóricas dentro da pedagogia crítica questionando esse modelo de educação.
Entendo metodologia ativa como colocar o aluno no centro do processo pedagógico, fazer com que ele participe, criar situações de aprendizagem que o tire da condição de espectador que o coloque como sujeito ativo. É inegociável que a metodologia tenha intencionalidade pedagógica ,compromisso com as aprendizagens e com a formação de um sujeito integral.
Como e de que forma você passou a integrar as metodologias ativas nas suas práticas pedagógicas?
Em 2003, depois que tive depressão, mudei o formato da minha aula. Não queria mais ser mais aquela pessoa que só ficasse lá na frente falando. Saí do palco para construir uma sala de aula horizontal, com espaço aberto para contestação, debate, diálogo e para o contraditório.
A partir daí minha concepção de aprendizagem é essa em que percebo a minha integralidade como sujeito: o que eu penso, o que eu sinto e o que eu acho, o que pertence à minha história e identidade. Parto da concepção da educação como um processo que não é apenas uma transmissão de conhecimento, mas um processo de humanização, singularização e subjetivação da relação com o conhecimento. Afinal, eu só aprendo se me sinto parte do processo.
Qual foi o projeto ou atividade prática que você encontrou para introduzir as metodologias ativas em sala de aula?
Em 2007, eu criei um projeto chamado “Diário de Bordo”, no qual a cada nova aula um aluno fazia um relato do que ele tinha aprendido, avaliava a aula e como tinha se sentido em relação a ela. Depois, compartilhava suas percepções com a turma. Para isso acontecer, tive que criar um ambiente de muita confiança. Eu não queria que eles colocassem no diário de bordo algo que me agradasse, queria que eles fossem sinceros.
Lembro que, em 2014, um estudante do nono ano escreveu um diário de bordo dizendo que achava aquela atividade uma besteira e que não gostava de se expressar. Ele esperava uma certa reação da minha parte e minha reação foi agradecer, porque se ele se sentiu à vontade para expressar o que realmente sentiu, eu atingi meu objetivo. Dali para frente, esse menino fez todos os diários de bordo.
Qual é a reação dos alunos no momento de introdução às metodologias ativas?
Uma escola que coloca o aluno numa posição de menos esforço, de ficar sentado ouvindo o professor falar e copiando, pede menos esforço intelectual do que quando o aciona como sujeito para produzir um texto, construir uma argumentação ou elaborar um plano de ação para um determinado problema.
O jovem é tão obrigado a estudar em escolas autoritárias que, quando a gente oferece liberdade, eles desconfiam. As metodologias ativas podem causar tanto estranhamento nos alunos que eles podem chegar a reivindicar as aulas tal qual elas eram antes.
É importante que o professor tenha consciência e não ceda à tentação de voltar a trabalhar com aulas menos participativas e ele só vai ter capacidade de lidar com essa resistência se compreender que aquele aluno foi condicionado por um sistema educacional autoritário.
As metodologias ativas também exigem um esforço maior da parte do educador?
Claro. É muito mais fácil eu dominar um determinado conteúdo e simplesmente passar para frente de uma plateia. Propor uma metodologia ativa demanda mais trabalho, uma formação mais robusta e mais qualificada do ponto de vista teórico e requer criatividade e autoria – algo que falamos pouco no magistério, mas que é o que faz o professor ser autor da sua prática.
Pensar as metodologias com intencionalidade pedagógica vai pedir do professor um repertório teórico muito mais amplo. Além de dominar o conhecimento que eu vou ensinar, preciso compreender sobre desenvolvimento humano e saber que a aprendizagem passa necessariamente pela construção de vínculo. Assim, posso construir situações nas quais o aluno efetivamente possa se relacionar com o conteúdo e com seus pares.
Qual a importância dessas metodologias no contexto digital de excesso de informação e disputa de atenção?
A gente vive a sociedade do conhecimento, com um clique, você pode saber tudo o que você quiser. Meu filho tem 12 anos e ele já entendeu que ele pode achar a resposta para qualquer pergunta no Google.
Nesse sentido, o primeiro ponto é a escola entender que o aluno não precisa mais dela para acessar a informação, mas é indispensável para construir conhecimento. Na escola, não vou aprender só consumir informações, mas também a contestá-las e analisá-las criticamente. O jovem não está na escola atrás de informação, está atrás de respostas teóricas e de pertencimento.
Como disseminar o uso de metodologias ativas pelos educadores?
Devemos chamar para o debate o professor que está se sentindo sozinho, agora que o jovem já entendeu que não precisa da escola para aprender o que ele quer. As metodologias ativas devem começar a ser discutidas ainda durante a formação de educadores, na universidade.
Utilizar metodologias ativas vai ajudar o aluno a atribuir sentido ao que ele está aprendendo e fazer com que o professor se canse menos, porque vai gastar menos energia tentando estabelecer disciplina e menos energia com aulas expositivas. O que todo o professor quer é uma sala de aula viva e com as metodologias ativas isso é possível.
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